Entrevista professora Nayara
- Ana Beatriz Buarque
- 28 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Você já parou para pensar como o ballet clássico se conecta com a realidade do nosso país? Para responder essa pergunta, trouxe a professora Nayara Calixto, que dá aulas nas turmas de Ballet Prelimimar I e III na Balleto e atualmente está no mestrado pesquisando sobre os atravessamentos étnico-raciais no balé, propondo um ensino antirracista. Para saber mais sobre essa pesquisa, continue lendo o post de hoje!

Como sua vivência como bailarina influenciou sua pesquisa?
“Os marcadores sociais — classe, gênero, raça e outros — influenciam diretamente nossas experiências no mundo. Logo, uma mulher branca tem experiências no balé diferentes das de um homem branco, assim como uma mulher negra tem experiências diferentes das de uma mulher branca. Durante a graduação em Dança, fui entendendo que minhas experiências negativas no balé (excludentes e dolorosas) foram ocasionadas por questões raciais e racismo. A partir disso, passei a pesquisar o balé clássico e o ensino pensando em relações étnico-raciais. Assim, minhas vivências como bailarina e professora de balé, enquanto uma mulher preta, fundam a pesquisa, junto aos meus estudos”.
De que forma os ideais do balé clássico refletem ou desconsideram a diversidade de corpos no Brasil?
“O balé clássico é uma dança tradicional europeia que foi pensada por e para pessoas brancas. E, enquanto dança e expressão étnico-racial, ele reflete os ideais de onde nasceu e se desenvolveu. Por exemplo: ao falarmos de corpo e mulheridade, o ideal do balé é de uma mulher magra, longilínea e branca. Além disso, o balé prega a igualdade, ou melhor, a padronização. Não se tem apreço pela singularidade. O Brasil é um país muito diverso em todos os sentidos; temos mulheres que se enquadram na idealização do balé e muitas que não. O balé clássico não reflete a diversidade brasileira porque não foi pensado para nós, mas isso não exclui a possibilidade de praticarmos e ressignificarmos essa dança e sua técnica para o nosso contexto e corpos. Vale ressaltar que o balé já foi reestruturado para corpos não europeus; a título de exemplo, temos o método Cubano de balé”.
De que maneira a história do balé contribui para as normas raciais e de gênero que vemos hoje? Como isso se manifesta no dia a dia das aulas?
“O balé tem seus ideais de raça, gênero e classe. Quando fazemos aulas de balé, nós não aprendemos apenas os seus passos, mas incorporamos esses marcadores sociais por meio da técnica. Ou seja, por meio de seus conceitos estéticos, repertórios corporais, posturas e outros, vamos aprendendo ideias sobre elegância e nobreza (classe), uma noção bem específica de feminilidade — no caso das mulheres — e uma noção específica de masculinidade — no caso dos homens — (gênero). Do mesmo modo, aprendemos noções de raça de diferentes formas, como por meio das narrativas dos balés românticos e de repertório”.
Que mudanças você acredita serem necessárias na formação de professores de balé para que adotem uma abordagem antirracista e promovam a diversidade dos corpos na dança?
“É importante destacar que uma das urgências da contemporaneidade é que todos os espaços e práticas se atrelem ao antirracismo, pois o racismo está na estrutura social, nas instituições e também no seu caráter individual/pessoal. Uma autora que gosto muito, bell hooks, em seus escritos, diz que precisamos abrir nossas mentes e nossos corações para pensarmos criticamente, caminharmos em direção à justiça social, repensarmos nossos preconceitos e ações no mundo.
Assim, acredito na necessidade de uma formação docente pedagógica/técnica crítica e antirracista para professores de balé, para que assim (re)pensem suas práticas pedagógicas, suas ideias de mundo e seus preconceitos (algo que todos nós temos). Por vezes, o tradicionalismo no balé acaba encobrindo preconceitos, violências e exclusões. Professores de balé lidam com o corpo e, por isso, estão diretamente lidando com as singularidades e diversidades! Nesse sentido, precisam se atentar às urgências da contemporaneidade, à diversidade e pensar criticamente sobre suas práticas docentes. Isso porque, se o docente não reflete criticamente sobre sua atuação em sala de aula, sobre certas tradições e idealizações do balé, a sala de aula se torna um lugar propício para a exclusão da diferença, pois apenas os corpos que se assemelham ao idealizado pelo balé são vistos e entendidos como ‘capazes’ de realizar essa dança.
Também é válido lembrarmos que o balé se transformou muito ao longo do tempo; algumas dessas transformações foram influenciadas por questões e urgências sociais. Um exemplo prático é vermos o quanto as aulas de balé infantil estão pensando a ludicidade; isso não deixa de ser uma atualização no ensino do balé influenciada por uma necessidade. Nesse sentido, apesar de ser uma dança tradicional e um tanto conservadora, o balé pode (e deve) se atualizar e considerar o contexto e os corpos de onde está sendo ensinado/praticado”.
Você vê uma relação entre a história do balé e as expectativas que bailarinos enfrentam hoje?
“É uma relação muito enraizada; o balé fixou seus paradigmas de corpo e nós os idealizamos até os dias atuais, principalmente quando falamos de espaços em que o balé é encarado no caráter profissional, como em companhias e até mesmo algumas escolas. Comumente, essa relação entre o ideal do balé e os bailarinos/as é nociva, por conta de ideias como: ‘só pode ser bailarina se for magra’ e outras. Na minha experiência com o balé, falas como essa, vindas de professores que tive, me levaram a ter uma relação ruim com meu próprio corpo. Mas acredito que, aos poucos, isso vem mudando, e isso é muito bom!”.
E esse foi o post de hoje! Espero que a pesquisa da Nayara tenha te feito refletir sobre as mudanças que precisam ser implementadas no balé.
Até o próximo! 🫶🏽
Grandes mudanças! Fico feliz de ver a diversidade na Balleto! Que sempre seja assim!